Guilherme Roxo, CIBIO-Azores, Universidade dos Açores
O arquipélago dos Açores é um dos segredos mais bem guardados de Portugal. O solo vulcânico das ilhas permite a plantação de vários tipos de alimento, desde o chá que as avós tomam até ao ananás que as crianças gostam. Contudo, não são apenas os produtos gastronómicos que caracterizam o arquipélago, na verdade, um dos seus segredos mais bem guardados é a sua flora. Por entre os pastos verdejantes e as cidades de arquitetura única escondem-se florestas que já cá existiam muito antes do povoamento. É exatamente nestas florestas onde ocorrem plantas únicas e de extrema beleza. Uma dessas plantas é o Agrião dos Açores (Cardamine caldeirarum).
Paisagens em diversas ilhas do arquipélago de Açores.
O agrião endémico dos Açores pertence à família das Brassicaceae, grupo esse que engloba espécies de extrema importância na alimentação, entre os quais as couves, nabos, brócolos entre outros. O que diferencia este agrião dos demais é que esta espécie cresce somente neste arquipélago, com a excepção da ilha Graciosa. Uma das principais características deste agrião é que cresce apenas em sítios que estejam permanentemente húmidos (Schäefer, 2021).
No ano de 1838 o cientista suiço, Heinrich J. Guthnick, recolhe uma amostra durante a sua visita ao arquipélago, e esta vem a ser descrita pela primeira vez pelo botânico alemão Moritz August Seubert em 1844 (Seubert, 1844). Em 1897 o botânico americano William Trelease descreve a espécie que encontrou na ilha de São Miguel que se diferencia das outras pelas suas flores que contam com maior dimensão (Trelease, 1897). Estudos genéticos nesta espécie, realizados por uma equipa DIVERGE da Universidade dos Açores liderada pela Professora Mónica Moura, já indicam a possibilidade da existência de várias espécies crípticas ao longo do arquipélago. Espécies crípticas, são, portanto, duas ou mais espécies que, apesar de sua aparencia (externa) semelhante, são consideravelmente diferentes a nível genético.
Agrião dos Açores no seu habitat natural e detalhe das suas flores com um possível polinizador.
O ERGA (European Reference Genome Atlas, traduzido como “Atlas Europeu de Genomas de Referência”) é uma iniciativa pan-europeia que tem como objetivo sequenciar genomas de referência de qualidade para todas as espécies europeias. O genoma é o conjunto de toda a informação genética de um indivíduo ou de uma espécie, sequenciá-lo é, portanto, determinar a ordem dos nucleótidos (os blocos de construção do ADN) de uma molécula de ADN.
A sequenciação de espécies necessita de máquinas extremamente caras que não existem nos Açores. De modo a construirmos genomas de referência de alta qualidade é necessário manter a planta o mais saudável possível até o momento da extração do ADN. E porque é que será importante sequenciar uma espécie? Sendo o genoma toda a informação genética de um indivíduo, a sequenciação de uma espécie pode nos revelar diversas descobertas que podem ser utilizadas para saúde humana, estimular a economia, fonte alimentar, biossegurança, entre muitos outros. Um exemplo pode ser a transferência de genes desta espécie para por exemplo um agrião tornando-o mais resistente a certos stresses aumentando a sua produção ou até aumentando o seu valor nutricional. O agrião dos Açores foi umas das escolhidas para o projeto piloto do ERGA.
Os habitats onde o Agrião dos Açores ocorre encontram-se degradados e a presença desta espécie é cada vez mais rara. Assim sendo, em um domingo em julho desloquei-me ao vale das Lombadas em São Miguel de modo a colher as amostras necessárias. Estava um dia chuvoso e para chegar ao local é por uma estrada de pedra antiga e o carro já derrapava. Ao chegar ao local é necessário entrar pela ribeira adentro e andar cerca de 40 minutos, galochas são recomendadas e mesmo assim não me safei de ficar molhado.
Zona das Lombadas e os seus depósitos hidrotermais que vamos encontrando ao longo do caminho.
Trata-se de um local de extrema beleza, ao longo da ribeira encontramos locais onde a água é quente e o solo encontra-se pintado de laranja, a estes locais chamamos de depósitos hidrotermais. Esta cor alaranjada é adquirida, pois por baixo dos nossos pés existe magma que aquece água, esta água é extremamente rica em minerais e quando sobe à superfície a água arrefece e os minerais precipitam voltando ao seu estado sólido e pintado as rochas de laranja. Ao chegar ao local, onde esta espécie ocorre, comecei a colheita. Para tal levei uma pequena pá que me permitiu tirar a planta com as raízes intactas e colocá-la num vaso, de seguida esse vaso é colocado num frasco com água da ribeira e fechado de modo a ficar protegida.
Na viagem a mesma foi comigo na mochila e chegou em segurança ao laboratório em Inglaterra, onde é feita a sequenciação desta planta, nomeadamente em Norwich que conta com um laboratório com o qual temos parceria. Na chegada foram colhidas algumas folhas e congeladas em nitrogénio líquido - um método eficiente para preservar o tecido vegetal. Os resultados ainda estão a ser gerados, mas mal posso esperar para ver os mistérios que esta espécie esconde e como podemos utilizá-los para a construção de um futuro mais sustentável e onde esta espécie ainda possa existir.
Agrião dos Açores colhido e colocado nos contentores para transportar para Inglaterra (à esquerda). As amostras foram então transportadas até o Instituto Earlham, em Norwich, onde estão sendo sequenciadas. (Mapa fora de escala)
Referências
Schäefer, H. (2021) Flora of the Azores—A Field Guide. Margraf Verlag, Weikersheim
Seubert, M. (1844): Flora Azorica. Adolph Marcus, Bonn. 50 pp.
Trelease, W. (1897) Botanical observations on the Azores. Missouri Botanical Garden Annual Report 1897, 177.
Para mais informações sobre outros projetos a ser desenvolvidos pelo grupo de investigação DIVERGE ou vontade em juntares-te a nós contacta a Professora Mónica Moura através do email.
🇵🇹 Gostaria de interagir com outros cientistas interessados na geração de genomas de referência para a biodiversidade portuguesa? Entre em contato com os representantes do ERGA em Portugal!
Imagens: Guilherme Roxo
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